Zapatistas e a Maça

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Editorial do Subcomandante Marcos na revista Rebeldia

Por Emilio Gennari (Trad.) 04/01/2003 às 00:43

Revista Rebeldia, Nº 1, Novembro de 2002.

Editorial do Subcomandante Insurgente Marcos.

Diz Durito que a vida é como uma maçã.

E diz também que há aqueles que a comem verde, os que a comem podre e os que a comem madura.

Diz Durito que há alguns, bem poucos, que podem escolher como comer a maça: se num formoso arranjo de frutas, num purê, num destes odiosos (para Durito) refrescos de maça, num suco, num pastel, nas bolachas, ou no que manda a gastronomia.

Diz Durito que os povos indígenas se vêem obrigados a comer a maçã podre, que impõem aos jovens a digestão da maçã verde, que prometem às crianças uma linda maçã, enquanto as envenenam com os vermes da mentira, e dizem às mulheres que dão a elas uma maçã e só lhes dão meia laranja.

Diz Durito que a vida é como uma maçã.

E diz também que um zapatista, quando está diante de uma maçã, prepara-se cuidadosamente ao longo da madrugada e reparte a maçã pela metade com um golpe certeiro.

Diz Durito que o zapatista não tenta comer a maçã, que sequer repara se a maçã está madura, podre ou verde.

Diz Durito que, aberto o coração da maçã, o zapatista retira as sementes com muito cuidado, vá, lavra um pedaço de terra e as semeia.

Depois, diz Durito, o zapatista rega o pequeno broto com suas lágrimas e sangue e vela o crescimento.

Diz Durito que o zapatista sequer verá a macieira florescer, e muito menos os frutos que dará.

Diz Durito que o zapatista semeou a macieira para que um dia, quando ele não estiver, qualquer um possa cortar uma maçã madura e ser livre para decidir se a come num arranjo de frutas, num purê, num suco, num pastel ou num desses odiosos (para Durito) refrescos de maça.

Diz Durito que o problema dos zapatistas é este, semear as sementes e velar o seu crescimento. Diz Durito que o problema dos demais seres humanos é lutar para serem livres de escolher como comer a maçã que virá.

Diz Durito que aí está a diferença entre os zapatistas e os demais seres humanos: onde todos vêem uma maçã, o zapatista vê uma semente, vá e prepara a terra, planta a semente, cuida dela.

Quanto ao resto, diz Durito, nós zapatistas somos como qualquer outra pessoa. Talvez mais feios, diz Durito enquanto observa de rabo de olho como tiro o passamontanhas.


Subcomandante Insurgente Marcos

De alguma madrugada do Século XXI.

publicado originalmente em http://www.midiaindependente.org/pt/red/2003/01/44845.shtml